terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A gorda, culta e vermelha Bologna

Até hoje quando me perguntam por que decidi morar em Bologna, não sei muito bem responder o motivo da escolha. Acho que foi uma espécie de amor à primeira pesquisa. Quando resolvi fazer um intercâmbio, sabia que queria ir para Itália, pelo interesse na cultura, pelas paisagens que poderia conhecer e pela língua (para mim, a mais linda que existe). Pelo curso que fazia, tinha duas opções de faculdade: uma em Roma e outra em Bologna. Acho que o que me atraiu foi a ideia de morar em uma cidade pequena, onde se pode fazer tudo a pé ou de bicicleta, e que ao mesmo tempo me parecia ser bastante animada, sobretudo por ser universitária. Seria a oportunidade de viver um estilo de vida bem diferente do que o que tenho em Belo Horizonte. Ah... também achei que valorizava o intercâmbio falar que ia estudar na universidade mais antiga do ocidente ainda em funcionamento.

(A paisagem, claro, também valoriza o intercâmbio. Foto de Juli Borsa - Mochila da Juli)

Bologna é a capital da região da Emília-Romagna, localizada no norte da Itália e composta pela união de parte dessas duas regiões históricas. Embora raramente esteja incluída nos roteiros dos turistas, Bologna é uma cidade encantadora e cheia de história. Possuí hoje fortíssimos traços medievais, apesar de ter sido uma clássica cidade romana.

Foi construída no século II a.C, já pertenceu ao Império Bizantino, foi ocupada por Napoleão, anexada pelos Estados Papais e sofreu um bocado com a 2ª Grande Guerra. Por ter uma localização privilegiada - no caminho para diversas cidades - Bologna sempre esteve no meio das confusões (acho que sua efervescência política de histórica fama também contribuiu.) E essa posição estratégica foi pra mim uma mão na roda. Viajar de trem de Bologna para a maior parte da Itália é, teoricamente, bem fácil. Fácil porque um número bem grande de trens passa lá para se deslocar de um canto ao outro do país. A dificuldade está mesmo no funcionamento do sistema ferroviário italiano. Não basta comprar a passagem, tem que validá-la, senão, nada feito. E a coisa funciona meio como avião: quanto mais conexões, mais barato. O problema está justamente em fazer essas conexões. Elas podem dar um incrível nó na sua cabeça.

(Os fios por onde passam iluminação também passam ônibus elétricos. E nas ruas há ainda carros, pessoas, bicicletas... Foto tirada desse link)

A gorda, a culta, a vermelha

Bologna é conhecida como “La grassa, La dotta, La rossa”. Em bom português: gorda, culta e vermelha. O “gorda” acho que é a parte mais auto-explicativa, né? A comida italiana, como esperado, é um caso a parte (que eu conto em outro post) e posso falar que em Bologna ela tem seus dias de glória. O “culta” está ligado à Università degli Studi di Bologna, fundada em 1088, tendo grande importância para o desenvolvimento intelectual da Europa.

(Os muros cheios de papéis oferecendo casas, cursos e outros são a cara da Via Zamboni, rua com os principais prédios da Universidade. O anúncio da casa que morei exaltava fumantes e pessoas solares. Foto tirada desse link)

Já o adjetivo “vermelha” tem duas explicações bem plausíveis. Uns o atribuem às tendências políticas de esquerda, muito presentes na cidade, o que por sua vez teria forte ligação com a presença da universidade. Outros dizem que a fama é devida à arquitetura de tijolinhos da cidade e a extensa utilização de terracotta (ou argila secada ao forno) nos palácios, que dão às suas construções uma cor ocre/avermelhada.

(Alguma dúvida sobre a vermelhidão da cidade? Foto de Juli Borsa - Mochila da Juli)

Além da cor da cidade, uma coisa que eu amo na arquitetura de Bologna são os seus famosos pórticos, que são como marquises gigantes, com tetos super trabalhados e detalhados, que cobrem toda a largura dos passeios. Assim, faça chuva, neve ou sol, dá pra bater perna por todo o centro de Bologna. É uma maravilha! São cerca 38 quilômetros de pórticos no centro histórico da cidade. O mais longo deles liga uma das doze portas que ficaram como resquício da antiga cidade murada medieval a uma igreja belíssima, situada no alto de uma colina, a Chiesa di San Lucca. A caminhada até a Igreja é um programa super bacana, mas devo dizer que cansa, e bastante. Uma boa pedida é subir de ônibus e só descer a pé, já que pra baixo todo santo ajuda. Mesmo assim, é bom estar preparado. Em algum momento, o caminho pode parecer não ter fim.

Dizem que os primeiros pórticos foram feitos para aumentar a área disponível à construção nos edifícios. A ideia era que eles funcionassem como um segundo piso, uma segunda base, para que os andares superiores dos prédios tivessem mais área útil. Por abrigar uma das faculdades mais antigas da Europa, um centro intelectual da idade média, Bologna atraía muitas pessoas e todas elas tinham interesse de morar no centro da cidade, mais próximas às instalações da universidade. Por isso a preocupação com a otimização de espaços centrais para habitação.


(Os pórticos servem a um bom passeio ou mesmo para se esconder do sol durante os dias mais quentes do ano . Fotos tiradas desse e desse link)

Arquitetura a dar e vender

Bologna tem váááárias igrejas, como quase toda a Itália. A mais famosa delas é a Basílica di San Petrônio, que foi bispo da cidade no século V. A igreja, uma das maiores do mundo católico, se localiza na Piazza Maggiore, um dos principais pontos turísticos da cidade. Seu projeto arquitetônico é uma coisa bem mirabolante e muito megalomaníaca. A idéia é que ela tivesse o formato de uma cruz, com um largo e extenso corredor central, cortado pelo que seria o “braço” da cruz.

(A enorme Piazza Maggiore, ponto de encontro de pedestres e motorizados. Foto tirada desse link)

Porém, dizem que por medo de que a Basílica de São Petrônio se tornasse maior e mais bela que a Basilica di San Pietro, no Vaticano, o Papa parou de enviar recursos para a sua construção. Assim, a cruz ficou sem braço (dá pra ver o inicinho deles construídos nos dois lados da igreja) e a construção ganhou um caráter bem peculiar: da metade pra baixo o acabamento da igreja é pomposo, trabalhado, bonito, feito de mármore; já da metade pra cima, devido ao corte da verba, a basílica não tem acabamento, ficou tudo só nos tijolinhos.

A Basilica di San Petronio não é das igrejas mais bonitas, mas é super legal de visitar. Dentro dela tem ainda uma meridiana solar, que seria uma espécie de relógio de sol. O funcionamento dele é mais ou menos o seguinte: num determinado ponto do teto da igreja tem um furinho por onde entra o sol e no chão marcações super antigas em uma comprida linha apontam o meio-dia ao longo dos diferentes dias do ano.

(Ares medievais. Foto tirada desse link)

Também na Piazza Maggiore ficam o Palazzo dei Notai, sede dos advogados no século 14, o Palazzo dei Banchi, que abriga as antigas lojas dos banqueiros, o Palazzo Comunale, que contém uma coleção de arte da cidade, o Museo Civico Archeologico e o complexo Archiginnasio, a parte mais antiga da Universidade, hoje uma biblioteca enorme. Nessas redondezas vemos ainda a Pinacoteca Nacional, com um monte de obras renascentistas e testemunhas de escolas medievais e bolonhesas dos séculos XIV ao XVII.

Coladinha na Piazza Maggiore fica a Piazza Del Nettuno, cujo nome vem da Fontana Del Nettuno, construída por volta de 1500. Ela foi feita pelo escultor Giambologna, que havia perdido anteriormente a competição para a construção da Fontana Del Nettuno, na famosa Piazza Della Signoria, em Florença. Dizem que sua redenção após a derrota em Florença começou com o Nettuno bolonhês. Em torno dessa estátua gira ainda um dos sete segredos de Bologna, completamente ligado a eroticidade que ela carrega. Mas isso é papo para mais tarde...

(À época, por julgar que o monumento tinha um forte caráter erótico, a igreja quis colocar calças de bronze no Nettuno nu e cobrir as ninfas que jorram água pelos seios. Foto tirada desse link)


Outra basílica bacana de visitar é a Santo Estêvão, também conhecida como Sette Chiese (sete igrejas). A basílica é na verdade um complexo de prédios religiosos, dedicados ao culto, cada um com uma cara. Segundo a tradição, quem construiu a Basílica di San Stefano foi São Petrônio, aquele mesmo que deu nome a igreja da Piazza Maggiore. A pracinha da San Stefano, pra mim, é uma das mais fofas da cidade, com um formato meio triangular e o chão feito de pedrinhas redondas. É uma delicia ficar lá sem fazer nada, vendo o movimento. Além disso, uma vez por mês acontece ali uma feira de antiguidades, com muita coisa bacana a preços variados. E como em toda feira de antiguidade, é só ter paciência e persistência para garimpar.

Outra igreja legal é a de São Domenico, feita para abrigar as relíquias desse santo no que chamam de Arca di San Domenico, esculpida por ninguém menos, ninguém mais que Pisano e Michelangelo.

(Arte italiana. Foto tirada desse link)

Uma das coisas mais legais pra mim, envolvendo todas as praças e igrejas da cidade, era ver como elas faziam parte do cotidiano das pessoas. As praças em frente a esses monumentos ficavam, sobretudo nas épocas de calor, ocupadas por estudantes. Ali eles tocavam instrumentos, bebiam e conversavam fiado. Já vi até os jardins em torno das igrejas serem utilizados para aulas de violão. A utilização diversa desses espaços é o que mais me encantava, porque ia além da grandiosidade arquitetônica e esplêndida riqueza que as igrejas impunham.

Mas apesar da grande quantidade de igrejas em Bologna, o monumento símbolo da cidade não é uma delas. Creio que o seu mais famoso e visitado ponto turístico sejam as Duas Torres. Umas das poucas e as mais altas que restaram. Em meados do século XIII, Bologna possuía mais de 180 torres construídas pelas principais famílias da cidade. Além de demonstrarem poder, as torres já foram utilizadas como prisão, fortaleza e foram muito importantes na defesa da cidade durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje ainda trombamos com algumas torres ao passear pela cidade e as mais conhecidas se exibem garbosas bem no miolinho de Bologna: a Torre Asinelli e a Torre Garisenda.

(Foto tirada desse link)

A Torre Asinelli, a mais alta delas, possui 97 metros de altura e quase 500 degraus até o topo. É uma das maiores dentre as famosas torres que enfeitam diversas cidades italianas. A subida, apesar de bastante cansativa, por escadas apertadinhas, vale muito a pena. A vista lá do alto é linda, dá pra ver algumas das principais avenidas da cidade e ter uma noção completa da cor que a constrói. Além disso, ela é um ótimo ponto de referência: caso se perca nas vielinhas da cidade, olhe para o alto e siga em direção a torre, pois pertinho das duas torres se localiza a Via Zamboni, famosa por concentrar a maior parte dos prédios utilizados pela Universidade. Pelo menos em um lugar conhecido e movimentado você vai chegar.

Com 48 metros de altura, a torre menor é bastante pendente, tortinha, como a de Pisa. Hoje em dia, gira uma lenda em torno da Torre Asinelli. Dizem que se um estudante da Universidade de Bologna subir a torre antes de se graduar, não consegue se formar mais. Nos seis meses que estive lá não conheci ninguém que tenha se arriscado. Na dúvida, é melhor não mexer com isso. Para estudantes intercambistas, eu sou prova de que a lenda não se aplica.

(Imagem do alto da Torre Asinelli. Me arrisquei e me formei mesmo assim!)

Além desses pontos turísticos específicos, bater perna por Bologna, pra mim, já é um grande passeio. As ruazinhas têm seus encantos, os pórticos, como já disse, são admiráveis, e por toda parte a gente se depara com palácios medievais imponentes, belas construções, lojinhas e restaurantes charmosos e pequenas pracinhas no meio do caminho. Tinham dias em que eu saía de casa simplesmente para descobrir e redescobrir esses caminhos, essas ruelas, essa bela cidade e de quebra ainda escutar sem parar, nos mais diversos timbres e intenções, o italiano, essa tal língua-música.

Júnea Casagrande se graduou em Publicidade mas dá as caras no jornalismo vez ou outra.  Não é a toa que no facebook ela se declara com a frase "é prosa, querendo ser poesia". Júnea passou seis meses em Bologna comendo pizza, falando italiano e criando apelidos para diferencias suas colegas de apartamento, que tinham o mesmo nome. Aqui ela conta um pouquinho dessa experiência.

Um comentário:

  1. Oi, muito bom o que você escreveu, fui uma vez em Bologna. Na verdade passei por ela tão rápido que não a conheci.
    Como foi fazer Universidade por lá? Estou pensando em fazer pedagogia, moro há 6 anos na Italia, sou formada em Letras no Brasil e tenho alguns documentos reconhecidos pelo Ministério do Exterior, Consulado desde 2008.
    Até breve!

    Tania

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