sábado, 12 de novembro de 2011

Tudo que se espera da Espanha

"Vocês vão conhecer a cidade mais bonita do meu país", disse nosso amigo quando falamos que Sevilha estava no nosso roteiro. Mas vindo de um sevilhano é claro que a gente não ia acreditar. Devia estar puxando sardinha para o seu lado porque, até então, eu nunca ouvira muita coisa sobre a cidade. Tudo que eu sabia era que ela era é a capital da Andaluzia e que era quente como o inferno. Mas como o verão estava longe, percebi que sabia ainda menos. Bem... se Sevilha não tivesse muito a oferecer, ao menos passaríamos dois dias divertidos com nossos amigos do intercâmbio.


(O sol, as cores e o flamenco. Estão todos juntos em qualquer canto da cidade. Foto tirada desse link)

Mas fui surpreendida. Sevilha é uma cidade de encher os olhos. As construções históricas como a linda Plaza de España, os prédios coloridos a perder de vista, o chão de pedra por vezes irregular, as laranjeiras apinhadas de frutas e o flamenco que saía dos restaurantes de tapas e invadia as ruas docemente... Isso sem contar naquele povo de fala peculiar que faziam tudo sem pressa nenhuma. A Espanha está aqui.

Várias cidades em uma só

Chegamos às 6h da manhã na rodoviária Plaza de Armas, um pouco desconjuntados pelas horas de sono dentro do ônibus. Fomos tomar café no tradicional bairro de Triana, famoso por ser o berço de alguns dos mais famosos toureiros, cantores e dançarinos de flamenco do país. O local sempre foi marcado pela presença significativa dos trabalhadores das classes menos abastadas da cidade e do povo cigano Romaní, o que fez o bairro se dividir entre la cava de los civiles e la cava de los gitanos. Hoje os ciganos são poucos pois foram expulsos do local em 1970. A história oficial conta que a culpa foi da pressão imobiliária, mas dizem que, na verdade, a pressão veio mesmo do governo fascista de Franco.

(Imagem desde o centro de Sevilla. Vê-se o rio Guadalquivir e a calle Betis, uma das mais famosas ruas de Triana. Foto tirada desse link)

De toda forma, o local sempre teve uma cultura bastante singular e uma forte ligação com a música flamenca. Até hoje, o bairro tem diversas casas de tablao, com apresentações frequentes. Mas estava um pouco cedo para isso e ficamos só com o café mesmo. Bebemos e comemos pão com presunto no bar La Estrellita, point dos bêbados de plantão por ser o primeiro a abrir em todo o bairro.

Dessa vez, nada de albergue. Seguimos de carro até o apartamento do irmão do nosso amigo, com espaço mais que suficiente para nós cinco. Tínhamos pego o ônibus de madrugada exatamente para não pagar mais um dia de albergue, dormir no ônibus e acordar prontos para passear na cidade. Mas a cama parecia irresistível demais e desmaiamos.

(Uma cidade horizontalmente pequena e cuidadosamente vaidosa. Foto tirada desse link)

Acordei por volta de meio dia com o sol no meu rosto. Fazia 19º graus. Há três dias eu estava batendo queixo em um frio de -5º e então, de uma hora para a outra, eu andava nas ruas sem sentir os meus pés congelarem. Aqueles dias de sol no meio de dezembro já valeriam todos os euros gastos com a viagem. Mas enquanto andava pelas ruas, aproveitando o clima, me deparava com um lugar realmente especial.

Só depois eu descobri que Sevilha é uma das cidades mais importantes do país desde a História Antiga. Passou por momentos bons e momentos de crise até que em 1492 se tornou o centro econômico do império espanhol e passou por um grande desenvolvimento. Nessa época, foi construído grande parte do centro histórico da cidade. A ascensão de Sevilha durou até a crise do século XVII, pois a partir dessa data grande parte da força comercial se transferiu para Cádiz, sem contar na nova epidemia de peste que assolou a cidade e matou cerca de 60 mil pessoas, quase metade da população.

(As cores fortes da fachada do Palacio de San Telmo)

A cidade foi se recuperando com o tempo. Hoje é a quarta maior do país e se destaca em diversos quesitos. O turismo com certeza é um deles. Isso sentimos por conta própria. O Palacio de San Telmo foi o primeiro edifício a chamar a atenção, principalmente por causa das cores vermelho e amarelo da sua fachada. A construção de estilo gótico começou em 1682 com o objetivo de ser um colégio-seminarista. Mas o local foi um verdadeiro faz tudo e serviu à Sociedade Ferroviária, à Universidade de Literatura e até à residência oficial da família Borbón. Na década de 1990 ele passou por uma série de reformas para abrigar a Junta de Andalucía.

(A rua Mateos Gago é a única na qual as pessoas conseguem tirar uma foto da Giralda por inteiro)

Não demorou muito para chegarmos a Avenida de la Constitución, uma via fechada para os pedestres no centro histórico de Sevilha. E aqui, histórico quer dizer antigo mesmo. A começar pelo ponto mais alto da cidade, a Giralda. A torre de 101 metros de altura começou a ser construída em 1185, durante o período em que a dinastia árabe dos Almóadas dominou a cidade. Com o objetivo de "atualizar" a infra-estrutura local eles iniciaram edificação de uma enorme mesquita com um miranete inspirado no miranete da mesquita de Kutubia, em Marrakech (Marrocos). Com seus 82 metros a torre se tornou o ponto mais alto de toda a Europa.

Com o terremoto de 1365, a Giralda perdeu as esferas de cobre que coroavam a torre. Por isso que os dois terços inferiores datam ainda do século XII e o terço superior foi feito no século XVI. A estátua no alto do miranete representa a fé e foi a última peça instalada pelo arquiteto Hernán Ruiz a pedido dos responsáveis pela catedral. As pessoas passaram a lhe chamar "giralda", palavra que significa "cata-vento com forma de figura humana ou animal". Com o tempo, o nome passou a respresentar toda a torre e a estátua em si passou a ser conhecida como Giraldillo.

(A visão que só o Giraldillo tem da cidade. Foto tirada desse link)

Colado ao miranete árabe, uma catedral de inspiração gótica. A Catedral de Santa Maria da Sede de Sevilha começou a ser construída em 1401 após a demolição da antiga Mesquita de Alfama. Por ego ou por revanche, a direção católica fez questão de fazer uma grandiosa o suficiente para se impor a antiga construção muçulmana. E assim nasceu a maior igreja gótica do mundo. Como sua construção durou anos a fio, além do estilo gótico é possível encontrar traços renascentistas, barrocos e neogóticos.

(Uma catedral de um quarteirão inteiro. Foto tirada desse link)

O melhor de Sevilha

Depois do passeio pelo centro histórico nos embrenhamos nas ruas do bairro de Santa Cruz, um dos mais bonitos da cidade. O bairro é um verdadeiro labirinto de ruas estreitas que, propositalmente ou não, criam correntes de ar e ajudam as pessoas a se refrescarem do calor. Isso sem contar o grande número de laranjeiras com sombras a dar e vender.

(Uma das entradas para o bairro de Santa Cruz)

E por falar em laranjeiras, vocês não acharam que eu ia sair de lá sem experimentar ne? Eu escutei mil vezes que elas não eram para comer. "As laranjas das ruas são azedas. As pessoas só usam para fazer doce, ou nem isso". Mas sei lá, vai que eu dava sorte? Não dei. Elas são mesmo um porcaria.

Pelo menos servem para dar graça ao bairro, que começou a tomar forma ainda no século XIII, quando o rei Fernando III de Castilla conquistou a cidade. Ali se concentrou a comunidade judia que construiu casas sem muita riqueza de detalhes, mas bastante originais. As paredes brancas têm suas bordas pintadas em tons amarelo ou vermelho e muitas das janelas e varandas são adornadas com flores de ferro. A surpresa maior, porém, está entre uma rua e outra. Uma das características mais marcantes de Santa Cruz são os pequenos pátios e praças que aparecem vez ou outra, como a Plaza Doña Elvira, na qual paramos para descansar e tirar algumas fotos.

(Os sevilhanos são famosos pela sua fabricação de azulejos. A relação com as Índias no século XVI fez a arte crescer ainda mais. Hoje ela está por todos os lados, dos adornos das igrejas aos bancos das praças da cidade, como na Plaza Doña Elvira)

Mas o melhor ainda estava por vir. Voltando um pouco à história de Sevilha, a cidade deixou de ser o centro econômico do país no século XVII, logo depois das grandes navegações. Na sua recuperação, dois momentos foram decisivos. O primeiro aconteceu em 1929, com a Exposição Iberoamericana, e o outro em 1992 e a Exposição Universal. Ambas tinham como objetivo a modernização, o fomento ao turismo e a exposição ao mundo das potencialidades da cidade.

Na última foi construído um enorme parque tecnológico com tudo de mais moderno que o mundo sabia fazer até então. Hoje, o local abriga o parque temático Isla mágica que, assim como a Exposição Universal de 1992, tem como tema o descobrimento das Américas. Na primeira, ao invés da criação de um único bairro, foram criadas diversas atrações ao longo da cidade. É aí que entra o monumento mais bonito que eu já vi em toda a minha vida: a Plaza de España.

(Uma das primeiras vistas da Avenida de Isabel 'La Católica')

O local é um semi-círculo com 50 mil m² de pura beleza. Em volta de toda a praça há um enorme prédio de cor alaranjada, construído com tijolos e decorado com mármore e cerâmicas coloridas. Nas pontas norte e sul da praça há grandes torres e do pátio do palácio saem quatro pontes que levam enorme espaço aberto destinado a recreação, passeio, exposições e apresentações. Embaixo das pontes, um rio artificial no qual as pessoas podem andar de barco.

O local começou a ser construído em 1914 e era a obra que mais tomou tempo, esforço e dinheiro do governo da época. Criticaram o tamanho do monumento, o porquê da sua importância e até a criação do rio artificial, já que Sevilha sempre sofreu com a escassez de água. Aviso aos antigos indignados: valeu a pena.

(Na primeira foto, a torre Norte e o detalhe de um dos postes de luz, cercado de azulejos sevilhanos. Abaixo, Vista do segundo andar do edifício, presenteado ainda por um lindo pôr-do-sol)

A Plaza de España não tem só um ponto forte. Do conjunto da obra aos menores detalhes, como os 48 bancos com quadros e mapas de azulejo respresentando cada uma das 48 províncias espanholas ou mesmo os postes de luz decorados a moda antiga, é tudo encantador. Tão encantador que não parece real. Acho que foi por isso mesmo que filmes como Lawrence de Arábia e Star Wars Episódio II: O ataque dos clones, usaram o cenário nas suas filmagens.

Saí dali extasiada...! Voltamos ao apartamento para tomar banho e se arrumar para aproveitar a noite. Mas o lazer aqui merece um post a parte.

2 comentários:

  1. Anda !! nunca habia leido una reseña tan interesante de Sevilla !! .. Gracias a ti, Sevilla figura entre mi lista de ciudades por conocer !!! Felicitaciones, muy buen post !!

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  2. Ai, que delícia relembrar a lindeza de Sevilha! Vc esqueceu de citar as bicicletas, Ju! Essa cidade é fantástica.

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