sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Liberdade para ser o que se é

Os meses na França me fizeram acostumar com cidades históricas, sempre cheias de monumentos milenares, palácios reais e igrejas góticas. Até os espaços mais modernos tinham sempre uma construção imponente, rodeada por cidadãos que se orgulhavam dela e do seu passado. Essas cidades estavam - no bom sentido - paradas no tempo. Assim era Clemont, Nice, Grenoble e até Paris, que deveria ser a vanguarda francesa.

(Centro comercial de Madrid. Foto tirada desse link)

Por isso Madrid foi uma surpresa. Ao invés de um espaço imóvel encontrei uma cidade em plena transformação. Os prédios que datam do século XIX recebem letreiros luminosos. Suas fontes centenárias que são cartões postais da cidade se transformam em bancos de pic nic em dias de sol. A capital espanhola tem senso de conservação, mas sabe interagir com seus moradores como poucas. O uso que as pessoas fazem da cidade a transforma em um local especial e faz de Madrid um espaço ao mesmo tempo histórico e moderno.

O conceito tomou forma com o tempo, mas a sensação surgiu logo quando cheguei à cidade. Ao contrário do que acontece na maior parte do mundo, o aeroporto de Barajas é distante da capital mas possui um esquema de transporte eficiente. Por três euros é possível pegar um metrô que percorre os 25 quilômetros de distância entre o local e o centro da cidade sem maiores problemas.

(A Gran Vía que eu vi era ainda mais colorida por cauda das luzes de natal. Foto tirada desse link)

Nosso hostel ficava na avenida Gran Vía, a qual descobrimos no mesmo minuto ser uma das mais importantes. Prédios enormes, lojas e mais lojas, trânsito pesado, centenas de pessoas. O centro de uma cidade como ele deve ser, com a diferença de que na Europa normalmente há construções monumentais em meio ao concreto.

Procuramos nosso albergue, o hostel Stella, que era logo ali, na Plaza del Callao. Sabíamos que seria mais ou menos, pois alugamos um quarto para quatro pessoas por 12,50 euros por cabeça, um preço irrisório. A entrada do prédio era feia e as escadas antigas, mas quando chegamos ao hostel ficamos impressionados. Sofá, mesa de centro, tapete no chão e quadros ao fundo. A moça que tomava conta era muito simpática e nos levou ao nosso quarto. Ele privativo e enorme. Tinha quatro camas de solteiro e um banheiro excelente, além de TV de Plasma, ar condicionado, toalha e sabonetinho, igual quarto de hotel.

(Vista da nossa varanda)

Mas o melhor mesmo era a vista: tínhamos uma varanda com a visão completa da praça de Callao, o microcentro da cidade. O primeiro comentário que veio à cabeça foi "estamos na Times Square!", possivelmente por causa do edifício Capitol que fica em uma das esquinas da praça e carrega um enorme letreiro luminoso da Schweppes.

(Times Square madrilenha. Foto tirada desse link)

Então descemos para ver de perto o que mais naquela praça nos lembrava o famoso postal novaiorquino. Os pontos de comparação eram vários, como os prédios enormes, o fluxo de pessoas sempre intenso e as luzes de natal. No centro havia até uma pista de patinação no gelo, bem ao estilo americano.

Mas as diferenças também eram claras. Na porta de um dos centros comerciais da praça não estava o papai noel, mas os três reis magos. Na Espanha, as crianças não ganham os presentes na noite do natal, mas no Dia dos Reis, em 6 de janeiro. Isso porque foi nesse dia que Melquior, Baltazar e Gaspar seguiram a estrela de Belém para levar ouro, mirra e incenso ao menino Jesus.

(É comum sair de casa por volta das 23h para comer ou dar uma volta. Por isso as ruas de capital espanhola estão sempre cheias)

Outra diferença clara e menos pontual apareceu ainda no aeroporto: mesmo rodeados por turistas falando francês, português, inglês e italiano, o espanhol soava mais forte. E, mais uma vez, eu não conseguia tirar uma palavra de espanhol da minha boca. Aconteceu o mesmo em Munique quando eu tentei me comunicar em inglês mas o francês já era algo tão constante na minha cabeça que todas as outras línguas estavam simplesmente bloqueadas. E esse foi só o primeiro dia de "mercis" no lugar de "gracias" e "salut" no lugar de "hola". Fazíamos isso a todo tempo. Quem se saía melhor era o Teichmann, que conseguia segurar a onda e separar o português, do espanhol, do alemão, do inglês.

Rodamos por ali, sem muita certeza do caminho. Passamos pelas ruas próximas à Gran Vía observando o movimento que não parava a medida que a noite ia aumentando. Chegamos a Puerta del Sol, uma praça enorme aonde estão alguns dos edifícios mais importantes da capital, como o convento de Nossa Senhora das Vitórias e a Casa de Correios com seu imenso relógio da torre. É ali que os madrilenhos se reúnem no dia 31 de dezembro para ouvir as 12 baladas do ano novo e comer os 12 bagos de uva (um a cada badalada).

(A fonte da praça Puerta del Sol é ponto de encontro entre amigos e amantes. Ao fundo, a famosa placa luminosa do Tío Pepe. Foto tirada desse link)

Ali também estão bares antigos, como o Café de Levante, um dos mais famosos cafés literários de Madrid, e o Café de la Montaña, conhecido também como café Imperial. Aberto desde o século XIX, ele se encontra no mesmo edifício da famosa placa do Tío Pepe, empresa com sede em Jerez de la Frontera responsável pela fabricação de vinhos e outras bebidas alcóolicas.

A Puerta del Sol é linda o ano inteiro, mas nas noites natalinas ela ganha um charme a mais com a enorme árvore de natal - cada ano diferente - colocada no centro da praça.

(No lugar de galhos verdes e bolinhas vermelhas, as cores aparecem em forma de luzes)

As hora passavam e já era meia noite quando fomos a um bar encontrar com alguns amigos da Agathe. O bar parecia tradicionalíssimo. Estava com algumas pessoas e, de forma espantosa, foi enchendo ainda mais ao longo da noite. Eram 7 pessoas e dois bancos. Fomos nos virando no inglês enquanto observávamos os famosos tapas sendo servidos para as pessoas a nossa volta. Chegar no bar de madrugada, beber em pé e petiscar sem parar eram hábitos daquele povo que só íamos entender dias mais tarde...

A noite, para nós, chegou ao fim às 2 da manhã. Nos despedimos e fomos embora. Agathe e seus amigos continuaram lá, entre tapas, cervezas y tonterías. Caminhava enquanto tentava dar forma ao sentimento que a cidade passava, um misto de força e liberdade. Quando cheguei ao hostel, fui até a varanda antes de dormir. Acho que a aquela noite sonhei exatamente o que eu queria sonhar.

(Um típico bar de tapas até na arquitetura, a começar pelas paredes a direita imitando os pilares dos palácios de inspiração comuns no país)

2 comentários:

  1. amei, amei. Obrigada por descrever tão bem essa cidade que me acolheu e que eu gosto tanto!

    beijo Ju!

    Ludmy

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  2. Que bom Ludmy!
    Sempre fiquei na duvida se Madrid é isso mesmo ou se foram devaneios turísticos, acho que não ne? =)

    Beijo grande!!

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