segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cidade de nuances

Barcelona faz parte da lista de cidades que não conheci. O mais estranho é que passei um tempo considerável ali. Fiquei três dias na cidade, visitei museus, caminhei por diversas praças, fui a bares e boates, não parei de andar um único segundo. Mas ainda assim voltei com a sensação de que não foi o suficiente.

(Do clássico ao contemporâneo, Barcelona é cercada de arte por todos os os lados. Foto tirada desse link)

Mesmo que eu não saiba porque, tenho algumas suspeitas. O primeiro ponto é a sua geografia. Em Madrid ou em Sevilha, os princiais pontos turísticos estão no centro. Existem coisas que se localizam nos extremos da cidade, mas grande parte do que as pessoas acreditam ser essencial pode ser visto de uma só vez. Em Barcelona, ao contrário, o centro tem alguns locais interessantes, como a Rambla e o Bairro Gótico, mas se você vir um mapa vai perceber que os pontos turísticos importantes estão ao redor do centro. Para conhecer todos é preciso ou muito tempo ou muito dinheiro.

Outra coisa que faz com que a compreensão sobre a cidade não seja completa é também o que a faz particular: sua arte. Além dos diversos museus e exposições, a cidade é por si só uma galeria a céu aberto. Por todos os pontos há construções do medieval ao contemporâneo, muitas delas assinadas por artistas como Gaudí, Picasso, Miró e tantos outros. Mas a mistura de todos eles pode causar confusões aos turistas menos atentos, como não compreender a história local ou mesmo e não saber se localizar em um mapa.

(A Sagrada Família, cartão postal da cidade, era o nosso ponto de referência para voltar pra casa. Foto tirada desse link)

Nos três dias que fiquei lá caí em ambas as pegadinhas. Por não entender todas as nuances da cidade... nos perdemos. Não no sentido geográfico, mas no sentido cultural de entendimento de um espaço. Ao final, fiquei com a impressão de que vi pouco e de que não captei o espírito dos seus habitantes. Mas não posso dizer que não tentei... e muito.

Noche vieja

O primeiro dia em Barcelona tinha um objetivo principal: festa. A viagem foi organizada para que chegássemos na véspera do ano novo e pudéssemos curtir o revéillon em uma das cidades com as melhores festas da Europa. Assim, chegamos com vontade de beber, conversar e dançar até a próxima primavera.

(Bebidas e conversas a meia luz em um dos melhores bares da cidade, o La Fianna. Foto tirada desse link)

O Andrew, amigo da Agathe que ia nos dar abrigo aqueles dias, foi nos pegar no aeroporto e nos levar até seu apartamento. Assim que cheguei em casa e depositei minhas malas no chão quis sair para passear pela cidade. Mas estava todo mundo cansado e afim de dormir. A Tissi foi a única que se dispôs a sair comigo, mas com outras intenções: encontrar lingerie vermelha para passar o ano novo, assim como pedem as tradições espanholas.

Saímos então pelas ruazinhas do centro da cidade. Passamos por uma, duas, três... e comecei a me perder. Pareciam todas iguais, igualmente retas, igualmente pequenas e igualmente distantes uma da outra. Além disso, as esquinas de todas as ruas eram chapadas, fazendo com que o espaço entre um quarteirão e outro se alargasse, proporcionando áreas de respiro no meio do caos urbano. Estava tudo perfeito demais para não ser de propósito.

(Imagem do Google Maps do centro da cidade de Barcelona e sua regularidade geométrica)

Barcelona começou pequena. No início ela era só a ciutat vella, o bairro mais antigo da capital catalã à borda do mediterrâneo. O local foi estrategicamente escolhido pelos romanos, pois estava em uma pequena colina entre dois córregos e tinha acesso facilitado ao mar. Ainda no século IV eles construíram uma enorme muralha ao redor de toda a cidade velha para protegé-la de possíveis ataques. Mais tarde, a muralha serviu à proteção da cidade frente os povoados que se formavam ali perto.

No século XIX, porém, as muralhas foram destruídas e em 1859 o governo decidiu anexar os seis povoados, fazendo com que eles se tornassem bairros de Barcelona. Sentiu-se então a necessidade de se pensar em um novo traçado que fosse capaz de atender a unificação dos novos territórios e também o desenvolvimento industrial e econômico da cidade. A proposta eleita veio do urbanista Idelfonso Cerdà. O Plano Cerdà, como ficou conhecido, previa a criação de um novo bairro no espaço vazio deixado entre a cidade antiga e os povoados vizinhos. A área seria cortada por duas diagonais em forma de X e as ruas seriam quadriculadas, um desenho totalmente novo no contexto europeu. O objeto era criar um espaço visualmente limpo e higienicamente correto, uma vez que até o direcionamento dos quarteirões aproveitam a direção dos ventos para a limpeza da atmosfera local.

(Plano de Cerdà. Foto tirada desse link)

Eles só esqueceram que quando as coisas são homogêneas demais fica fácil se perder. Foi o que quase aconteceu com a gente. Fomos nos afastando tanto a procura de boutiques e lojinhas que na hora de voltar tivemos de pedir informação (em um espanhol deveras enferrujado).

Voltamos ao entardecer mas logo saímos de novo para comprar comidas e bebidas para a virada do ano. Já em casa, tudo parecia harmonicamente combinado. Esquecemos um pouco que estávamos em Barcelona e que tínhamos muito a conhecer para aproveitar aquele clima de organização festiva. As meninas cozinhavam com a TV ligada enquanto todo mundo conversava animadamente.

(Alguns supermercados chegam a vender as doze uvas embaladinhas, prontas para serem usadas. Foto tirada desse link)

O Andrew me explicava as tradições do ano novo na Espanha. A principal prevê a ingestão de 12 bagos de uva nos últimos doze segudos do ano. Em Madrid, a tradição reúne centenas de pessoas na Puerta del Sol, que comem uma uva a cada badalada. Dizem que quem não o fizer, ou mesmo quem começar a comer as uvas na hora errada, terá azar no ano seguinte. Mas Andrew disse nao ver muito sentido na tradição e que algumas pessoas acabavam morrendo asfixiadas ao tentar realizar essa façanha. Ficamos então com o bom e velho brinde de champagne à meia noite!

A passagem de ano sempre me fez sentir como se o ano realmente tivesse mudado pois no Brasil parece mesmo uma comemoração. Da favela à zona sul, as pessoas soltam fogos de artifício e o céu se enche de cores por mais ou menos 15 minutos. Todo mundo fica calado, olhando para cima, admirando as piruetas dos foguetes pirotécnicos e o barulho das cascatas de fogos. E depois do silêncio, música alta e clima de festa. Ali eu não escutei nada... os únicos ruídos foram os da nossas taças se encontrando e da TV ligada. Depois, nos sentamos de novo e continuamos conversando e beliscando amendoins e semestes de girassol. Não pareceu em nada com o ano novo que estava esperando... e as meninas sentiram o mesmo.

(A noche vieja em Madrid é a que mais se aproxima do clima brasileiro que, querendo ou não, a gente estava esperando. Foto tirada desse link)

Eu queria sair, ver a cidade, o movimento das ruas, os bares cheios, as filas na porta das boates... mas não era a hora. Como tinha aprendido há dias atrás, na Espanha tudo começa tarde, e Barcelona não fugia a essa regras. Principalmente no ano novo. Até 1h ou 2h da manhã, as pessoas ficavam com a família ou na casa de amigos. Depois era hora de ir para um bar e só depois as pessoas saíam para dançar.

Assim, fomos à casa de um amigo do Andrew por volta de 1h3o da manhã e por volta das 3h30 paramos em um bar. Dali queríamos ir em uma boa boate, daquelas enormes e famosas, como a Soho Club ou a Factory. Mas Andrew e seus amigos falaram que esses lugares cobravam fortunas e não ofereciam uma diversão tão diferente assim quanto outros diversos lugares mais baratos e mais originais... então acabamos em uma boate pequena, simpática e divertida em uma das ruas transversais à Rambla.

(Um dos vários salões da RazzMatazz, uma das maiores e mais badaladas discos da cidade. Foto tirada desse link)

Pegamos um metrô às 6h da manhã e voltamos para casa, cansados. No caminho, as ruas continuavam cheias. Perguntei ao Andrew - que ainda tinha algum nível de sobriedade no rosto, - se era sempre assim. "Barcelona é uma metrópole. Aqui tem de tudo para todo tipo de pessoa. Ela não para e está sempre cheia de gente". Fiquei admirada. Afinal, estava há quatro meses em uma cidade que morria depois das duas da manhã. Mesmo em Paris ou Belo Horizonte, para pegar exemplos díspares, as ruas não eram tomadas por pessoas na madrugada.

(La Rambla durante a noite. Há vida em Barcelona mesmo altas horas da madrugada. Foto tirada desse link)

Com o tempo entendi o ritmo da cidade, embora ainda hoje não entenda muito bem o que ela pretende. A cidade que não para é chamado por muitos como "metrópole do mediterrâneo" e deve ser por isso mesmo que cada pessoa sai dali com um sentimento diferente. Uma metrópole sempre tem combustível para alimentar todo tipo de percepção.

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