terça-feira, 9 de agosto de 2011

A França está em greve

O tempo todo. Entra ano sai ano os franceses têm algum motivo para irem às ruas protestar. E o que chama a atenção é como todo mundo adere à causa. Se a razão para a greve é o aumento do salário dos motoristas de ônibus, os funcionários do correio também param. Se a origem dos problemas é a restrição de gastos hospitalares por parte do governo, os estudantes lideram o movimento.

(Última greve geral em Paris, em setembro do ano passado. Foto tirada desse link)

Não é brincadeira. Comecei a escrever no google "greve frança 2010" e fui abaixando os anos e décadas. Em TODOS os anos que pesquisei encontrei artigos de jornais dizendo que os franceses protestaram por causa de alguma coisa, qualquer coisa.

Não estou dizendo que o motivo deles não é digno. Por vezes, senti inveja de toda a movimentação que eles são capazes de fazer. Aqui no Brasil cada um se preocupa com as suas razões. Ninguém adere a reivindicação dos professores públicos, dos médicos que ganham miséria ou dos motoristas que têm uma rotina de trabalho estafante. E ainda reclamam que os protestos estão atrapalhando a vida de todo mundo. O francês consegue entender. E se não entende entra na onda sem reclamar demais pois a causa sempre lhe parece justa.

Motivo histórico

A França faz greve porque? Porque funciona. Em 1789 a população foi às ruas e... voilá: fim de monarquia, início de república, garantia de direitos sociais. Foi feita a Revolução Francesa. Outro exemplo aconteceu em 1968. A greve geral foi responsável por enfraquecer o governo e abalou os costumes étnicos, sexuais, culturais e classistas de toda uma sociedade.

(Quando a criatividade se juntou às manifestações em maio de 1968. Foto tirada desse link)

No Brasil ninguém acredita mais em greve. O sindicato começa, a população não ta nem aí, eles fazem uma passeata no centro da cidade na hora do rush, a população fica ainda com mais raiva e o governo aprova tudo que eles não queriam aprovar. Conseguem no máximo um pequeno aumento de salário. Que não adianta muito se acompanharmos de perto o aumento dos preços no mercado. A França está começando a ser assim. Muitos jovens me diziam: isso não vai dar em nada, o Sarkozy vai assinar a lei (como realmente assinou). Mas ainda é diferente. Eles sabem que com uma grande movimentação, podem mudar as coisas.

Trabalhar mais? Eu?

Em 2010, o governo francês apresentou uma proposta para aumentar a idade mínima para aposentadoria. A Assembleia já tinha aprovado e o papel estava no Senado para aprovação. O último a assinar seria o presidente Nicolas Sarkozy. Se todos apoiassem a proposta, a idade para aposentadoria passaria de 60 para 62 anos. E bem, se tem uma coisa que os franceses gostam mais do que fazer greve é de não trabalhar.

(População sai as ruas de Marseille. Era só o início daquela manhã...)

Os protestos começaram em março e se tornaram cada vez mais intensos. O ápice das manifestações aconteceu nos meses de setembro e outubro. A frente dos movimentos estavam oito grandes centrais sindicais francesas, que conseguiram mobilizar não só os aposentados mas, principalmente, estudantes e os setores de transporte ferroviário, de transporte urbano e de telecomunicações.

Quando a coisa começou a pegar fogo eu estava em Clermont. Em setembro começaram as manifestações. Eles saíam da Place de Jaude e caminhavam por várias ruas, sempre passando na frente da prefeitura, das escolas e universidades. Foi então que as passeatas passaram a ser constantes e eles estabeleceram sua "sede" em um canto da praça.

Então começamos a ver estudantes manifestando. Universitários e - pasmem - alunos de ensino fundamental. Alguns pareciam estar lá pela farra, mas grande parte realmente entendia o significado da proposta de governo e, bem, também não queriam ter de trabalhar mais dois anos para se aposentar. Depois disso, foi uma cascata.

O train, que por vezes funcionava só até a praça e tinha que parar por lá para não atropelar os manifestantes, comeceu a deixar de passar. O acesso as salas de aula estavam bloqueadas com cadeiras e mesas e o elevador parado. Alunos e professores iam à Universidade mas não podiam subir. Perto do início da nossa viagem, escutamos que em certas cidades os postos de gasolina não distribuiam combustíveis e que os caminhões estavam travando algumas estradas. Caos.

(Alunos de 14 a 18 anos também entraram na luta. Foto tirada desse link)

O caos chegou mais forte até nós em dois momentos. O primeiro foi quando a Cíntia ia para Portugal durante as férias de outubro. Quando chegou na estação de trem, o diálogo foi mais ou menos assim:
_ As linhas não estão funcionando
_ Mas se eu não pegar esse trem eu vou perder o avião.
_ Isso não é problema meu.
E então ela me ligou e fomos correndo alugar um carro. Viajamos por mais de uma hora até Saint Etienne. Ela chegou 10 minutos antes de o avião decolar. Demos sorte.

O segundo foi em Marseille, a penúltima cidade do nosso roteiro. Sempre escutamos que em alguns locais a greve era mais acentuada. Eram Lille, Paris, Bordeaux e Marseille. Pensamos que essa "acentuação" fosse em número de pessoas na rua ou em quantidade de placas e penduradas pelos edifícios públicos. Mas quando o assunto é greve, os franceses são bem originais. Ao chegar em Marseille, as esquinas estavam cheias de lixo. CHEIAS.

(Foto tirada desse link)

Pensamos que os caminhões estavam por passar, ou passariam a noite. Mas a verdade é que eles também estavam em greve. Alguns passavam esporadicamente para tirar o excesso, mas a ideia era que o lixo ficasse por ali mesmo, atrapalhando e enojando todo mundo.

Chegamos quase a noite e fomos procurar um hostel. Chegamos, nos alocamos, tomamos um banho demorado e saímos. Marseille tem grandes avenidas e ruas estreitas. Nós demos a sorte de entrar em uma rua estreita no momento em que um caminhão de lixo (vejam vocês) resolveu melhorar um pouco aquela zona. Ficamos 40 minutos atrás de uma fila de carros cheirando aquele delicioso odor. Coisas que só acontecem na França.

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