quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A nova onda agora é subir o morro

Não basta ir ao Corcovado, passear no bondinho do pão-de-açucar, visitar as livrarias do Leblon ou pegar um bronze na praia de Ipanema. Agora o que interessa é subir a favela. O chamado "turismo vivencial" ou "turismo de favela" é cada vez mais requisitado. Os turistas trocam um dia de mar, sol e cerveja por um passeio nesses lugares.



(Imagens da Rocinha, considerada a maior favela da América Latina até o ano de 1992, quando foi oficialmente reconhecida como bairro. Tem cerca de 56 mil habitantes pelos dados oficias, mas dizem que esse número é bem maior. É um dos destinos mais procurados pelos turistas do "tour da realidade" entre as 759 favelas do estado do Rio de Janeiro. Fotos tiradas desse e desse links)





Como disse no post passado, acho que há algumas explicações para esse fenômeno. Acho que o mais importante deles mistura a vontade do turista à uma certa pressão social. A vontade do turista está em conhecer a cidade em sua plenitude. Há muito o turismo se baseia em apresentar os pontos turísticos de um local e isso recai, invariavelmente, em mostrar os lugares mais bonitos, mais "apresentáveis".


Mas o mesmo turista que se delicia a cada novo mirante, percebe também que aquela cidade tem seu lado popular. Acredito que o turismo de favela surgiu exatamente para suprir a demanda dessas pessoas, que não se contentavam só com a praia, que queriam entender como aquelas pessoas viviam, como aquela sociedade se estruturava.

Além disso, há a pressão social. Hoje, há um apelo muito forte à "necessidade" de se conhecer e entender a realidade dos outros, principalmente os mais pobres. Se você diz que foi conhecer o subúrbio inglês é visto com olhos de respeito: poxa, ele não está centrado em seu mundinho perfeito, ele também se preocupa com as camadas populares da sociedade. Inclusive, essa é uma forma de vender esses pacotes: as pessoas apresentam as favelas como uma experiência sociológica, que vai fazer você enxergar o mundo sob outra lógica. As pessoas compram essa ideia. E vão!

É seguro?

Até que sim, estatisticamente falando. Não há notícia de nenhum turista que tenha sido morto ou assaltado por conta de uma visita a favela. Por conta dessa relativa calmaria algumas agências chegama a oferecer conversa com traficantes. Em maio de 2008 a Delegacia Especial de Atendimento ao Turista (RJ) abriu um inquérito para investigar a agência Private Tours, que vendia pacotes que ofereciam visita às bocas de fumo e conversa com os traficantes que faziam a guarda dos chefões.

(Foto tirada desse link)

Mesmo seguros, os passeios ainda são tensos. E não pense que sua presença vai afastar os moradores ou os traficantes do local, que andam livremente.

Controvérsias éticas

Esse tipo de turismo, longe do convencional, levanta uma série de polêmicas. Os críticos dizem que não há nada de construtivo em visitar as favelas, a não ser a sensação de que existem pessoas muito piores que você. Esse passeio seria uma espécie de "descarrego". Em uma matéria do site Turismo e Hotelaria sobre o assunto, o professor de turismo e meio ambiente da Universidade de Brock (Ontário), afirma que o "turismo em favela é apenas mais um nicho que o turismo encontrou para explorar. Mas o objetivo real é fazer com que os ocidentais do primeiro mundo se sintam melhor em relação à sua situação de vida. Isso reforça, em minha mente, o quanto eu tenho sorte - ou o quanto eles não têm".

Outra questão é a exploração do local. Como eles dizem, imagine um grupo de turistas passando na porta da sua casa todo dia, tirando fotos de você e da sua família como se fossem atrativos turísticos. De fato, não deve ser uma situação nada confortável.

Já os defensores usam como argumento que de nada vai adiantar ignorar a pobreza e que, ao contrário, essa é uma das únicas formas que um pessoa que não vive aquela realidade tem de entender aquela situação a fundo. Melhor visitar uma favela e conversar com os moradores locais do que acreditar cegamente na representação desses locais pela TV, pelos jornais ou pelos programas de entretenimento.

Fica a questão! Eu, particularmente, gosto de ideia. Gostaria de entrar em uma favela para entender com os meus próprios olhos como aquela sociedade paralela (exatamente o que ela é) se organiza. O mais importante agora não é a existência ou não desse tipo de passeio, que já existe e não há como voltar atrás, mas sim a forma como ele é feito. Os turistas têm que tratar aquele local e seus habitantes com respeito e não invadir o local com suas enormes lentes de fotografia como se aquilo fosse um zoológico de visitação.

Mundo afora

Dizem que o tal "turismo vivencial" começou há 17 anos nas favelas cariocas. O culpado? Um jovem chamado Marcelo Armstrong, que levou alguns turistas para a Rocinha, quando ela ainda era a maior favela da América Latina. O passeio rendeu uma ideia, e essa ideia a empresa Favela Tour, que hoje tem milhares de imitadores aqui e no mundo.

Um deles é a Reality Tours and Travel, fundada pelo britânico Chris Way, na cidade de Mumbai (Índia). No início, ele mal conseguia arrebanhar turistas para a aventura. Hoje, se reveza para atender os diversos grupos que chegam na agência a procura dos passeios. O mais famoso é para Dharavi, a maior "favela" da Ásia. Os preços são baratos (uma média de 230 dólares por pessoa) e variam de acordo com uma série de fatores, como o tempo do passeio, o número de pessoas no grupo e se eles querem ser conduzidos ou não por um guia.

(Dharavi: Asia's biggest slum. Olhando as fotos, as maiores diferenças entre essa e as nossas favelas são a forma como elas cresceram - horizontalmente, já que Mumbai não tem muitos morros - e a precariedade dos serviços básicos, bem piores que os nossos. Foto tirada desse link)

O "tour da realidade" tem deixado marcas em vários países. Na Polônia, o campo de concentração de Auschwitz é um dos roteiros mais procurados. Há tempos de algumas cidades bolivianas estampam seus cartões-postais. Em países africanos, de um modo geral, há passeios pelos locais que foram destruídos pelas diversas guerras civis que os países enfrentaram (e que muitos enfrentam até hoje).

OUTROS LINKS

- Nessa entrevista, Bianca Freire-Medeiros responde se é possível fazer turismo em favela. A professora da Fundação Getúlio Vargas concluiu em 2008 a pesquisa A Construção da Favela Carioca como Destino Turístico. A pesquisa foi base para o livro Gringo na Laje.

Um comentário:

  1. tenho vontade de conhecer uma tb !
    mas como vc disse, as pessoas tem q saber aproveitar a visita,com respeito aos moradores.

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