quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Eu não conheço um lugar


Esse texto foi publicado num dos melhores blogs de viagem que conheço: o Viaje na Viagem, do turista profissional (olha que profissão dos sonhos?) Ricardo Freire. Vale a pena ler!

A melhor maneira de não conhecer um lugar é viajar até ele. De longe você pode estudar um lugar o quanto quiser; de perto você só tem tempo de descobrir o quanto ainda falta para conhecer. Quem viaja a Paris apenas para subir a Torre Eiffel, ver a Mona Lisa e andar de bateau-mouche conhece a sua Paris muito melhor do que quem viaja para conhecer Paris a sério. Se você tem 50 carimbos no seu passaporte, então são 50 países que você não conheceu.


Mas quem disse que é preciso conhecer a fundo um lugar para gostar dele? Segundo os psicanalistas, para conhecer a si mesma uma pessoa precisa de quatro sessões de análise por semana. Não, eu não quero levar viagem nenhuma para o divã. Até porque a parte mais divertida de uma viagem são as conclusões apressadas.

Longe de casa nos sentimos verdadeiros antropólogos autodidatas. Depois de 15 minutos em qualquer lugar já elaboramos as mais complexas teorias sobre a cultura e o comportamento dos nativos. “Os parisienses não carregam mais baguetes debaixo do braço!”, concluímos, depois de extensas pesquisas entre as 3 e as 4 da tarde sentados num café em Saint-Germain.

Uma coisa é certa: os países são mais fáceis de decifrar do que as cidades. Países são masculinos – e, assim como os homens, podem ser classificados em no máximo quatro ou cinco tipos, estanques e previsíveis. Você vai a um país agora, e quando voltar daqui a uns anos ele pode ter enriquecido ou empobrecido, mudado de partido político ou de profissão, mas continuará fundamentalmente o mesmo.

Já as cidades são femininas: misteriosas, multifacetadas, dadas a repentes e fases. Enquanto os países nos recebem com formulários, funcionários públicos e cães farejadores, as cidades nos recebem com um “psiu!”. Algumas se revelam de dia, outras só se entregam à noite. Às vezes uma cidade pode parecer feia – mas normalmente é você que não deu tempo para ela se arrumar. Existem cidades que fazem você virar o pescoço na rua, e outras que só mostram a que vieram entre quatro paredes. Mesmo essas, contudo, dificilmente se deixam conhecer, digamos, biblicamente. Cidades são criaturas difíceis, que preferem ficar o tempo todo fazendo charminho.

Voltar a uma cidade é sempre fascinante, porque você nunca sabe o que pode ter acontecido. Cidades engordam, emagrecem, fazem plástica, engravidam, mudam o penteado, se apaixonam e até se divorciam (da população, quando os eleitores resolvem escolher um mau prefeito). Você pode dar azar e visitar uma cidade em plena crise de auto-estima ou no auge da TPM – tempos depois, ela pode estar de novo radiante e bem-amada. Vá saber…

Depois de muitas viagens, você até pode entender os humores de uma cidade. Mas conhecer, conhecer mesmo – não dá. Nem morando a vida inteira lá, sem arredar pé nem nas férias. Mesmo porque, de fato, a única maneira de conhecer de verdade o lugar em que se vive é viajando. Quanto mais lugares a gente não conhece, melhor a gente conhece o nosso.

* Texto originalmente publicado em outubro de 2003, quando eu publicava a Xongas na Época

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Texto muito interessante! Dá vontade de viajar.
    Parabéns pelo blog

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  3. Os méritos desse texto são todos do Ricardo Freire, também achei o texto muito legal!
    E obrigada pelo elogio ao blog!

    Abraços!

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